DO CARRINHO DE ROLIMÃ AO VÍCIO EM TELAS: REFLEXÕES SOBRE O BRAIN ROT

Mais um artigo da série sobre os pilares da qualidade e vida

 

Acredito que, neste momento, todos saibam que minha primeira graduação foi em Matemática. O motivo de ter escolhido estudar essa disciplina foi o fato de que, desde cedo, sempre gostei de resolver problemas. Vejo a Matemática como uma área que nos apresenta diversas ferramentas e que está constantemente nos desafiando a utilizá-las na resolução de situações complexas.

Parte desta minha curiosidade em solucionar problemas, vem de uma infância e adolescência, onde era comum construirmos nossos próprios brinquedos. Muitas vezes, pegávamos serrote, pregos, martelos… para construir nossa trave do futebol, carrinho de rolemã, entre outros brinquedos, ou seja, éramos desafiados a ser criativos a todo momento.

Nos últimos tempos, como professor de Matemática, tenho percebido em nossas crianças (após os oito anos) e adolescentes, uma falta de vontade em enfrentar desafios. Tenho a impressão de que eles sempre esperam uma resposta pronta, o que me levou a perceber uma espécie de cultura da busca por uma resposta pronta.

Essa cultura do menor esforço, aliada à falta de atenção e à crescente dificuldade de memorização, me levou a buscar entender o que está acontecendo com esse público, e foi justamente nessa busca que descobri o conceito cultural e psicológico chamado brain rot.

Brain rot, que, na tradução literal, significa “podridão cerebral”, não é um conceito novo, mas sempre esteve relacionado à crítica à busca pelo caminho menos desafiador, ou pelo que chamamos de atalho. Os primeiros registros desse termo datam de 1854, quando o escritor Henry David Thoreau, grande defensor de uma vida mais simples e conectada à natureza, o utilizou para criticar a sociedade industrial, que, já naquele momento, optava pelo que era mais rápido e prático.

O tempo passou, e hoje esse conceito se aplica perfeitamente à atual geração de crianças e jovens que, em função do uso excessivo de telas e até de brinquedos estruturados (prontos), perdeu o desejo de criar, esforçar-se para solucionar problemas e gostar de desafios.

É fato que até os adultos, ao descobrirem a dopamina (hormônio do prazer e da felicidade) em um vídeo curto, em um aparelho que faz o que você pede (como a Alexa) ou em ferramentas de busca baseadas em inteligência artificial, que entregam respostas para praticamente todos os problemas; também estão seguindo o caminho da lei do menor esforço, que leva ao brain rot.

Sempre tive a preocupação, em minhas aulas de Matemática, de dizer que nosso cérebro é como um músculo que, para se manter saudável na maior parte do tempo, precisa ser exercitado. A forma de fazer esse exercício é pensando em soluções para os desafios que se apresentam, criando respostas inovadoras, praticando exercícios de memorização, leitura e interpretação de textos, por exemplo. No entanto, a verdade é que, a cada dia que passa, não só as crianças e jovens, mas também nós, adultos, preferimos treinar a máquina para pensar por nós, em vez de exercitarmos nosso cérebro.

Estamos diante de uma sociedade com cada vez menos profundidade em suas opiniões, e que por falta de desejo por uma compreensão mais ampla dos temas da atualidade, deixa de ouvir aqueles que pensam diferente.

Estamos presos a algoritmos que nos entregam apenas o conteúdo que nos interessa, tornando-nos viciados em telas e, consequentemente, fechados em uma bolha que tem feito “apodrecer” não só nosso cérebro, mas também nossa própria construção cultural.

Até pouco tempo atrás, ainda tínhamos moças que escreviam seus diários e meninos que faziam cartas de amor ou construíam seus próprios carrinhos de rolimã, não é mesmo? 

Minha pergunta é: em que momento sairemos desse círculo vicioso da podridão cultural e passaremos para uma fase de construção de novas músicas com poesias complexas, do retorno ao consumo de leituras em livros, da criação de obras literárias realmente inovadoras, entre outros exemplos de uma cultura saudável, de um povo resultado de uma cultura rica e em desenvolvimento?

É chegada a hora de nós, pais, compreendermos o atual cenário para podermos intervir pelo bem do futuro de nossos filhos. Afinal, é sempre bom reforçar que a criatividade é essencial para qualquer atividade em nossa vida.

É chegado o momento de repensarmos o uso excessivo de telas e passarmos a valorizar o aprendizado de um instrumento musical, a leitura de clássicos e a escrita de novos livros autorais, entre outras iniciativas que tornam nossa juventude mais preparada para o futuro e nós, adultos, mais preparados para uma velhice saudável.

É chegado o momento de falarmos sobre a saúde do nosso cérebro.

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